domingo, 16 de novembro de 2008

UM CÂNCER CHAMADO "DROGAS"

Mapa da droga na periferia de Belém
BELÉM (PA) - O bairro da Terra Firme, um dos mais populosos de Belém, experimentou uma ocupação urbana desestruturada e um avanço muito rápido, fazendo com que algumas áreas surgissem através de invasão. Essa é a principal avaliação do pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA), Aiala Colares, a respeito do bairro considerado um dos mais violentos da capital. "O que ocorreu foi que as políticas urbanas para a cidade foram muito direcionadas para o centro, isso ocasionou uma valorização da área central e a população de baixo poder aquisitivo foi direcionada para as áreas de baixada".

O bairro, segundo Colares, é tipificado como favela. "É uma área de habitação precária. Existe um aglomerado urbano muito denso, com becos onde a polícia não entra, os serviços também não entram e a população tem baixo poder aquisitivo", relacionando às áreas de favelas ao Tucunduba, canal localizado no bairro. "O Tucunduba surgiu assim, como uma ocupação ao longo do canal. Esse asfalto que a prefeitura levou para algumas ruas não resolveu a situação".
Colares é autor de recente estudo sobre o tráfico de drogas no bairro da Terra Firme, e acredita que o tráfico acaba se fortalecendo em áreas mais precárias pela facilidade em não encontrar resistência. "Uma política pública de segurança de combate à violência a partir da militarização, como ocorreu na Terra Firme, com a polícia acampada na praça, não resolve o problema. Porque você vai ter uma repressão ao crime, mas não vai ter uma política pública que vá atuar na base. Trabalhar de cima para baixo acaba gerando uma guerra entre dois tipos de Estado o Estado paralelo, que já está para acontecer isso aqui, porque está fugindo ao controle, e o estado de direito", ressalta Colares.

A repressão, para o pesquisador, não seria a melhor saída para melhorar a vida dos moradores. "Cria uma certa rivalidade. O cara que é preso hoje e apanha da polícia vai querer sair e fazer pior. Ele não vai ser reintegrado à sociedade. O Estado tem um custo muito maior com um presidiário do que com um aluno em escola pública". A base, segundo ele, não seria apenas a educação, que é vista como fator principal. "É preciso dar tanto educação como qualidade de vida. E incentivo à moradia, à qualificação profissional", diz, acrescentando um outro aspecto: "A maioria desses jovens envolvidos com o crime teve estrutura familiar muito complicada", analisa.

Segundo o especialista, os problemas incluem a presença de um pai viciado, alcoólatra ou traficante. O quadro envolve ainda a mãe prostituta, viciada em drogas ou então com muitos filhos, em situação de extrema pobreza. "Por isso, são adolescentes que sempre carregam algum trauma psicológico. São frios, atam e vão dormir, como se fosse normal".

Sob esse ponto de vista, a desestruturação familiar é um dos principais motivos que levam o jovem a entrar para o mundo do crime. "Começam a trabalhar muito cedo ajudando os pais porque não tiveram educação apropriada e isso acaba sendo incentivo para eles não voltarem para a escola, eles entram em contato com a rua e têm a possibilidade de se envolver com o crime muito mais rápido. Quando se envolve com o crime, ele vai perceber que consegue auferir um lucro muito maior do que trabalhando como camelô ou vendendo picolé etc. Acaba sendo um caminho quase que sem volta".
Outro ponto observado por Colares é a manipulação de adolescentes no mundo do tráfico. "Eles podem não conhecer nada de lei, mas uma coisa eles conhecem: o Estatuto da Criança e do Adolescente. Eles sabem que se um adolescente cometer um homicídio e for para o Erec ou Funcap, se tiver um bom comportamento, fica até seis meses. E mesmo que ele não tenha um bom comportamento, ele vai ficar no máximo três anos e depois sair".

O envolvimento com o crime acaba conferindo um status ao criminoso no bairro. "Ele passa a desfrutar de certo respeito perante aquela comunidade, não vão querer se envolver com ele porque sabem que ou ele está no tráfico ou anda armado. Há uma espécie de respeito, pois ele transmite um temor para a sociedade e também passa a ser respeitado pelos outros marginais e chega até a se rivalizar com outros bandidos, que é o que normalmente acontece". Ainda segundo Colares, a disputa pelo território para venda da droga se torna intensa. "E isso automaticamente vai gerar homicídios, inclusive de pessoas que não estão envolvidas".
Região favorece mundo do tráfico:

Segundo o cientista político Raul Navegantes, o tráfico de drogas não é característico apenas de locais violentos. Para ele, o tráfico pode existir em locais onde existam demandas, onde conseguir adeptos ele sobrevive. "Têm em toda parte pontos de tráfico de drogas, sobretudo das drogas mais correntes, como a maconha e alguma cocaína".

Navegantes afirma que a Terra Firme passou a ser, indevidamente, símbolo da violência, da marginalidade e da exclusão social. "As coisas se passam desse jeito, são eleitos, digamos, “os bairros malditos", e a Terra Firme passou a ter essa conotação.

De fato, a violência é bastante significativa, mas não é muito maior do que em outros bairros periféricos, que são também bastante violentos. A Terra Firme, segundo ele, foi "eleita" por ter certa visibilidade em função da sua localização. "Ela fica próxima da Universidade Federal do Pará, da Ufra, do Serpro e da Embrapa. Talvez por essa visibilidade, essa facilidade com que uma parte importante da Academia e da Pesquisa convive, necessariamente por meio do ônibus e do ir e vir, com membros dessa comunidade e isso assusta, isso espanta de ver e de conviver com isso".

Navegantes observa que o tráfico atua como uma compensação aos baixos salários ou mesmo o desemprego. "O tráfico é rentável e nós vivemos em uma sociedade que procura o prazer e é extremamente mercenária. O estímulo ao consumo e a publicidade dos artigos de consumo, segundo ele, faz com que as pessoas criem demandas e se frustrem ao não poderem adquirir aqueles bens".

FONTE: Diário do Pará – Por Elyne Santiago

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